Rebeldia: o lugar da propaganda na Juventude Hitlerista e no período do entre-guerras

Cartaz de propaganda nazista. (www.advertisingarchives.co.uk)Quando se pensa em uma geração de jovens rebeldes que buscaram romper com as regras de conduta de seu tempo com o intuito de se libertar, mudar e melhorar sua realidade, dificilmente se pensa na Juventude Hitlerista: sim nos que apoiaram Hitler e seus objetivos como líder da Alemanha.
Realmente é difícil concretizar a imagem de rebeldia a partir de meninos e meninas fiéis à disciplina física, marchando em fardas impecáveis, cultuando a autoridade e a hierarquia. Contudo este modo de ver o mundo sustentava os ideais de jovens, os quais se sentiam donos de um poder e de uma ideologia que mudariam os rumos do país em que viviam, sob péssimas condições.
Neste trabalho não trataremos de exaltar este lado “bem intencionado” destes jovens alemães, mas sim buscaremos entender porque agiram da maneira que agiram e porque não lhes era claro que suas ações e o apoio que davam ao Füher poderiam ter conseqüências cruéis para a sociedade. A publicidade nazista será instrumento utilizado esta análise, por ser este um fator de influência essencial na divulgação da ideologia do partido Nazi-Facista e do Estado alemão, após a subida daquele ao poder.
Além do fato de a publicidade ser um artifício característico da estratégia política de Hitler, também nos interessa tê-la sob nosso alvo de estudo, pois ela é capaz de trazer uma reflexão a questões contemporâneas por estar presente em nossa sociedade, exercendo funções diferentes em algum sentido, mas que no fundo influenciam em nossas decisões de maneira mais, ou menos, sutil, em especial, mexendo com a rebeldia e os ideais existentes nos jovens do século XXI.
Dessa maneira, entender como a publicidade introduziu modelos e concepções do certo e do errado, essenciais na construção do III Reich, pode nos estabelecer um ponto inicial de reflexão aos efeitos que ela impõe hoje ao nosso dia-a-dia, ao nosso modo de pensar, transformando nossos ideais em objetos de consumo que passam a satisfazer nossas necessidades momentâneas e individuais, mas que não nos levam a pensar nas conseqüências que trazem para o mundo ao nosso redor.
Para seguir o raciocínio exposto, partiremos da análise do discurso de Hitler, agregando a juventude ao seu plano de governo, até um de seus filmes propagandistas que alienavam esses jovens. Depois, mostraremos como essa arma fora utilizada em diversos países desse período, e não somente no regime nazista.
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Análise do Livro “Juventude Hitlerista” (Susan Campbell Bartoletti, Relume Dumará, Rio de Janeiro, 2006)
“O significado dos núcleos da Juventude Hitlerista na vida dos jovens alemães”

Adolf Hitler sempre foi consciente da necessidade de conquistar os jovens na construção de uma nova Alemanha. Para cativá-los e propagar sua ideologia o líder e o Partido Nazista usaram de muitas ferramentas, estando entre elas a formação de núcleos liderados e freqüentados por jovens: a Juventude Hitlerista. Com a finalidade de pregar a ideologia do Nacional Socialismo, seus frequentadores realizavam atividades, as quais envolviam uma disciplina militar e estimulavam maneiras de pensar e agir que os formassem dentro dos critérios nazista de bons alemães.
Este livro coloca lado a lado alemães que participaram da Hitlerjugend(1) por motivos diferentes, proporcionando-nos um olhar prismático sobre o significado da atuação destas milícias no dia-a-dia e na atuação política dos rapazes e moças da Alemanha nesse período. Uns foram até as últimas conseqüências em nome da lealdade, outros se arrependeram ao entender o que realmente se passava dentro dos grupos ou se irritaram com o excesso de disciplina imposta pelos líderes. Assim se faz necessário entender por que, como e quando entraram, permaneceram ou sairam desses grupos?
A Juventude Hitlerista propriamente dita só podia ser integrada por jovens dos 14 aos 18 anos, antes disso havia outros níveis de formação: Pimpf e Jovem Camarada. Após os 18 anos, havia os grupos de Cooperação para o Trabalho. Para as mulheres também havia uma estrutura dividida por faixa etária: Jovens Donzelas (10 aos 14) e Liga das Moças Alemãs (14 aos 21). Esse conjunto de classes juvenis possuía, ao fim, a mesma finalidade e utilizava recursos muito semelhantes para treinar e doutrinar seus jovens.
Contudo, é preciso ter em mente que essa estrutura desarticulava ou mascarava a verdadeira função desses núcleos na sociedade alemã, pois a consciência de que participavam de uma célula política do partido de Hitler não estava presente nos garotos e garotas desde os seis anos de idade. A Juventude Hitlerista era, para muitos deles, um ambiente de convívio social onde estavam todos os amigos, praticando esportes, disciplinando-se, acampando, etc. A atividade política consciente só se dava de fato quando já estavam mais velhos e envolvidos pela ideologia que os doutrinara desde pequenos. Assim a rebeldia e a presença de ideais característicos da juventude já eram moldadas antes mesmo de surgirem ou de amadurecerem.
É claro que admiradores dos desfiles militares, dos discursos inflamados do Füher, repletos da vontade de reerguer seu país, não faltavam para dar vida a esses núcleos de maneira consciente. Alguns dos relatos do livro transparecem bem que a vontade de mudar a realidade dura da Alemanha era um fato, porém ao mesmo tempo os jovens não sabiam exatamente como fazer isso e se colocavam ao lado da ideologia propagada intensamente em todos os lugares através da organização e de slogans os quais privilegiavam o resgate da figura da autoridade, que seria capaz de liderar as ações modificadoras.
Uma vez integrantes da Juventude Hitlerista, os que não desistiam numa súbita tomada de consciência ou por outros motivos mais simples, os jovens passavam a crer ainda mais no seu poder de mudar aquela realidade através de um caminho único: as diretrizes do Partido Nazista ditadas pelo Füher.
Diante deste quadro deve-se pensar que estes jovens sentiam-se donos de uma rebeldia que não era compreendida por todos, pois as ações e ideais de Hitler eram vistos com desconfiança por muitos pais e mães, mas não refletiam o porque desta incompreensão. Muitas vezes os próprios jovens desconfiavam da necessidade de excluir e prejudicar seus amigos judeus, mas tratavam logo de parar de pensar e começavam a agir conforme havia sido determinado.

Discurso de Hitler à Juventude Hitlerista


“As palavras ‘hipnóticas’ de uma autoridade cultuada”
Analisar este discurso inflamado de Hitler, dirigido a milhares de crianças e jovens organizados e uniformizados em um lugar monumental, é entender um importante instrumento que integrou o conjunto de artifícios usados pelo governo Nazista para comover e mobilizar a sua juventude.
Nestas imagens aqueles que ouvem ao Füher reagem ao discurso empolgado saldando-o e aclamando sua pessoa e as idéias às quais defende. Tudo isso é natural para os inúmeros jovens do vídeo que se apoiam na crença cega de que a rebeldia e os ideais de mudança existente dentro deles se traduz nos atos guiados pela autoridade de Hitler.
As palavras do homem que precede a entrada do Füher introduzem a preocupação exclusiva com o agir e com a lealdade, abafando o espaço da reflexão e da crítica às ações e às regras de conduta impostas para aconstituição de uma nova realidade.
As falas de Hitler em público reiteram a sua liderança, ao mesmo tempo em que ele se dirige aos ouvintes, neste caso os integrantes da Juventude Hitlerista, transmitindo um sentimento de expectativa e confiança com relação ao apoio e às ações que praticarão sob sua conduta.
Assim, a vontade de mudança em prol do bem coletivo, existente em cada indivíduo é captada pelas palavras hipnóticas deste homem (aceito e cultuado como a autoridade única e inquestionável), estabelecendo uma sensação de identificação de ideais, mas sem espaço para a análise do teor ideológico e das conseqüências práticas que eles podem trazer.


Análise do filme Olympia (Direção e Roteiro: Leni Riefenstahl)
“Documento de propaganda da Ideologia Nazista”

Este filme que retrata as Olimpíadas de 1936 na Alemanha não pode deixar de ser considerado quando se fala em propaganda da ideologia nazista. Todos os valores desta ideologia são colocados em imagens as quais valorizam o corpo, a juventude, a disciplina, o esporte, a competitividade, a eficiência e a necessidade de vitória, de ser superior.
Usar imagens deste grande evento esportivo como propaganda enaltece muito a idéia propagada pelo nazismo de que a ação é superior ao pensamento. Os esportistas competem com o intuito de vencer e só realizam esse feito se tiverem condições físicas consideradas perfeitas, que propiciem a eficiência de sua ação, aliadas a uma disciplina intensa de treinamentos.
Os bons resultados, executados por homens de atitude e determinação, exaltam-se em imagens que se repetem sob ângulos bem estudados, reforçando a idéia da pureza e da perfeição.
É assim que a publicidade se apresenta, não só aos contemporâneos do partido nazista na Alemanha, mas também a nós, mostrando apenas o lado bom e a eficiência de mercadorias usadas por ícones de beleza, colocados também como ícones de conduta os quais devem se apresentar como exemplo a todos os espectadores, passivamente.


“Os cartazes de propaganda, a figura do jovem e a do herói”


Cartaz nazista, incentivando a participação dos jovens alemães nos núcleos da Juventude Hitlerista. (www.advertisingarchives.co.uk).

Cartaz utilizando a figura do jovem como ‘protagonista’ (www.advertisingarchives.co.uk).


Cartaz estadunidense de incentivo ao alistamento no exército durante Primeira Guerra Mundial, 1917.
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Tio_Sam)


Esses três cartazes foram utilizados em países diferentes, mas apresentam características em comum sobre as quais pode-se refletir: a composição das imagens e a finalidade para a qual foram criadas.
É preciso observar a postura com a qual é mostrado o jovem do primeiro cartaz: o olhar para o horizonte e a presença do símbolo nazista constituem o semblante do jovem herói militar que se posiciona ao lado da nação (representada pela bandeira), a frente de homens e mulheres que confiam na sua coragem e no seu poder de transformação.
É preciso reconhecer que este é um artifício de propaganda presente não só nos cartazes alemães, mas também nos cartazes soviéticos que possuiam a mesma intenção de recrutar jovens para as atividades militares. Esta constatação não pretende, de maneira alguma, colocar em níveis de igualdade as ideologias e os pontos de vista políticos nessas localidades, mas ela possibilita a reflexão sobre a propaganda em si, a qual possui uma linguagem que pode ser considerada universal, justamente por dialogar com realidades diferentes, usando os mesmos recursos de imagem.
O cartaz norte americano utiliza uma figura aparentemente oposta às utilizadas nas duas outras ocasiões, contudo uma análise mais profunda nos faz entender as semelhanças entre elas. O senhor que aponta ao leitor, recrutando-o para o exército, é um herói que se cristalizou no imaginário estadunidense: Tio Sam(2). Apesar de não ser jovem ele se constitui como o herói que está ao lado nação, não há uma bandeira como simbolo da nação, mas ele veste essa bandeira: o terno e a cartola possuem a estampa da bandeira dos Estados Unidos e o seu olhar é fundamental para transmitir a confiança àqueles que precisa conquistar.

Notas

(1)
Juventude Hitlerista, em alemão.
(2) Uncle Sam, em inglês. Nomenclatura que possui as iniciais U.S, utlizadas para abreviar o próprio nome do país United States.